Crítica | The Record - boygenius

Quem tem um amigo tem tudo

O tópico amizade sempre foi algo que me fascinou. Não minto quando digo que já refleti muito sobre e, consequentemente, pairei diversas vezes sobre uma das principais temáticas (implícitas) do álbum em questão: Poderia eu me apaixonar por um amigo?

Polpando você de alguns minutos de leitura a mais, meu caro outrahorer, irei pular direto pra resposta: conclui que (por mais óbvio que seja) eu já era apaixonado por todos eles. A admiração intrínseca que da o ponta pé inicial a uma nova amizade implica necessariamente no nascimento de uma paixão - essa mais inocente do que quando pensamos no verbo (se) apaixonar e na ardência que ele carrega consigo.

I’ll give everything I’ve got
Please take what I can give
I want you to hеar my story
And be a part of it
Thank my father beforе me
His mother before him
Who would I be without you, without them?
— Without You Without Them

O mais incrível dessa paixão amistosa (não subestimando seu poder e intensidade jamais) é como ela é fácil de verbalizar. As vezes é tão natural que nem precisa ser verbalizada, mas ainda assim fazemos por gosto. A paixão que a amizade carrega, independente da idade, é de um tom quase infantil, no sentido de não possuir entraves. Dificilmente há vergonha sobre aquilo que se sente, e o medo parece ficar em segundo plano diante de qualquer situação difícil. Quem tem um amigo tem tudo, já dizia Emicida, e Phoebe Bridgers, Julien Baker e Lucy Dacus tem a sorte de serem completamente apaixonadas uma pela outra, vocalizando isso na primeira oportunidade que dispõem, ou seja, na primeira faixa do álbum, Without you Without Them, uma delicada declaração Acappella sobre a importância que elas tem uma para as outras.


20 Dollars, Emily I’m Sorry e True Blue


Três músicas que merecem um subseção própria. A partir do primeiro momento compartilhado entre as vocalistas (Without You Without Them), o álbum começa transitando entre faixas particulares que sumarizam o que há de mais belo individualmente em cada cantora. Narrativamente, o propósito dessa sequência parece ser nos relembrar sobre as belezas presentes em suas respectivas singularidades, ao invés de prosperar na força do coletivo logo de cara. Elas, como em um clássico roteiro de filme de super herói, não tem pressa para juntar suas forças e exibirem seus poderes (É um processo gradativo até a cena do aeroporto em Capitão América: Guerra Civil e só Deus sabe o quanto o pessoal do site vai ficar brabo comigo por usar referência da Marvel). A essência de cada uma e suas principais virtudes se encontram nessas faixas curriculares, que, por mais que soem como extensões de projetos passados, se tornam extremamente necessárias no contexto do álbum.

Emily I'm Sorry é um leftover de Punisher, o que nunca poderia ser uma crítica depois de atestarmos o quão maravilhoso é o álbum lançado em 2020. A crise identitária descrita na letra junto à atmosfera confessional perpetrada pelo violão sutil e as harmonias vocais durante o primeiro refrão nos teletransportam para o que há de melhor no repertório da cantora. Contrapondo as incertezas de Bridgers, Julien Baker, junto à suas guitarras irrefreáveis e a bateria hipnótica e efêmera (mudando seu compasso a cada verso), lida com seus impulsos mais inconsequêntes com um tesão invejável. Sua voz se sobrepõe a qualquer dúvida: It's a bad idea and I'm all about it; Give it one more chance and Then I finally had it, When you wake up, I'll be gone again.

You’ve never done me wrong, except for that one time
That we don’t talk about
Because it doesn’t matter anymore
Who won the fight? I don’t know
We’re not keeping score
— True Blue, Lucy Dacus

Já em True Blue, Lucy Dacus acha vastidão na simplicidade. Mesmo explorando temas comuns como amadurecimento, identidade, confiança e amor ela parece nos dizer coisas que ainda não sabemos, e, por conseguinte, nos enfeitiçando como se sentíssemos cada sensação e ouvíssemos cada palavra pela primeira vez. Sua escrita causa uma comoção irrefreável e a escolha da bateria preponderando sobre os outros instrumentos na mixagem fazem nosso coração pulsar em atenção a ela enquanto nossos ouvidos são exclusivamente súditos de sua voz.


Os superpoderes


A Cena do Aeroporto chega mas não faz barulho, não tem explosões, e floresce mais na química do que em seus poderes propriamente ditos. Cool About It, que interpola The Boxer de Garfunkel e Simon em sua melodia, é uma poesia folk silenciosa e evocativa de quando música - no sentido amplo da palavra - parecia algo mais sincero do que é hoje. Debruçadas sobre um lindo dedilhado de violão e banjo, cada uma das cantoras possui um verso para devanear e se juntam para harmonizar nos refrões. Numa transição surpreendente, Not Strong Enough é uma injeção de cafeína em uma pessoa depressiva. Bridgers parece ter a habilidade natural de vestir letras inconsoláveis em produções energéticas e animadas, fazendo isso com Motion Sickness, com Kyoto e agora com Not Strong Enought, que nasceu pra ser a música mais popular do álbum com todos os méritos. O pico dos poderes se encontra em Letter to an Old Poet, que possui as harmonias mais lindas do álbum na ponte, culminando num clímax lírico e instrumental quando as três declaram em tom de suplício junto ao crescente piano e violino: I wanna be happy I'm ready to walk into my room without lookin' for you, I'll go up to the top of our building And remember my dog when I see the full moon.

Por fim, cabe falar de We’re In Love por acreditar que a faixa sintetiza tudo o que eu almejo alcançar com essa crítica. É a melhor representação do que é uma amizade verdadeira, não pelo que acontece na música, mas sim fora dela. O momento é inteiramente de Lucy Dacus. Ela não divide o microfone até o último verso, e aí que se encontra a grandiosidade da coisa. Amizade também é altruísmo, é saber dar um passo pra trás e observar, aceitar, entender e admirar. Bridgers e Baker fazem isso aqui. Conforme os minutos passam e Dacus dá vida à faixa mais linda e estonteante do ano, a ausência das outras duas quase não é sentida. É um momento tão especial que torna tanto nós quanto elas em espectadores completamente admirados:

Em meio a um mar de vulnerabilidade, o qual reflete estrelas brilhantes e nuvens carregadas, escutamos sobre suas maiores fraquezas e medos. É letra é tão emocionalmente densa que assustaria facilmente a maioria das pessoas, mas escolhemos ficar.

E amizade é isso, segundo a superbanda formada por 3 mulheres que criam um novo paradigma no cenário:

Possuir o livre arbítrio para ir a qualquer lugar, mas escolher ficar.

8,4

Músicas Favoritas: True Blue, Cool About It, Not Strong Enough, Leonard Cohen, We’re in Love, Letter to An Old Poet

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