Crítica | Live At Bush Hall - Black Country, New Road

Melhores amigos para sempre.

Ainda com um pé no passado, BC, NR dá o primeiro passo para o futuro.


Me encanta pensar que a ligação entre passado e futuro é inexoravelmente o presente e que não temos como fugir de um enquanto imaginamos o outro.

Tudo que vivi no passado impulsiona o meu futuro. Nossas marcas, as quais de uma forma quase espontânea nos direcionam por certos caminhos, ainda nos possibilitam sentir essa pequena sensação de controle em um mundo incontrolável e caótico. Seguir pela mesma estrada ou buscar coisas diferentes? Ou ainda, quem sabe, tentar mesclar ambas as opções? (A banda se encontra aqui!)

Quem lê as poucas críticas musicais do Outrahora (esperamos que isso mude em 2023) sabe do amor que sentimos por Black Country, New Road. Ano passado, Ants From Up There, segundo álbum de estúdio do coletivo de músicos, foi dado como um obra prima por esse site. Nos arrebatou por completo ao passo que deixou um gosto agridoce na boca de quem vos escreve pelo fato do vocalista, Isaac Wood, ter deixado a banda em prol de sua saúde mental, implicando numa fase teoricamente nova por vir. Empolgante, apesar dos pesares, e muito curioso, mas de maneira nenhuma preocupante.

A melhor definição que puder dar para a banda no meu último texto sobre eles foi “uma constelação artística com corpos celestes tão singulares e magníficos quanto a Super Nova que era Isaac Wood e que, se olhados como um todo, formam algo mais impressionante do que quando analisados individualmente.". Então não, não existia preocupação quanto ao futuro e Live at Bush Hall veio justamente para provar esse ponto, confirmando que sua característica mais valorosa se encontra na coletividade.


A magia de sua Assinatura Sonora

Ninguém pode copiar o que Black Country, New Road faz hoje. Foram 3 álbuns em 3 anos, onde a reinvenção artística sempre é almejada (e alcançada), porém atrelada a um senso de déjà vu que nunca se concretiza forte o suficiente para se tornar algo repetitivo. Chega a ser difícil de explicar e por isso é mágico. Pela terceira vez consecutiva, BC, NR faz um álbum igual, porém diferente. Tudo que amamos sobre o som da banda está aqui, mas de uma maneira completamente reinventada.

Não temos um novo vocalista preponderante (embora Tyler Hyde cante mais músicas que os outros durante os 50 minutos de show). Ela, Lewis Evans e May Kershaw brilham de maneira sui generis, se complementando através da diversidade. A unicidade do todo surge justamente através de sua consolidada identidade sonora: Não importa se é a teatral “The Boy”, com seus elementos de Klezmer que parece o filho de “The Bird” de Regina Spektor com o filme “A Balada de Buster Scruggs” dos Irmãos Cohen; se é a incrível “I Wont Always Love You”, que até a ponte parece importada de um conto de princesas animado da Disney na década de 90; ou da charmosa e vulnerável “Across The Pond Friend”, portadora de uma ingenuidade inerente que reside na voz de Lewis Evans: No fim do dia, todas carregam consigo a assinatura da banda.


Laughing, I Won't Always Love You, Trousers, Turbines, Up Song, Dancers

Se Ants From Up There foi de certa maneira uma carta de despedida de Isaac, Live at Bush Hill é uma declaração de amor com nuances de saudade do que ficou pra trás, misturados a momentos de gratidão por tudo que viveram até aquele presente momento. Tudo sobre o futuro da banda se molda nos acontecimentos do último ano, e não poderia ser diferente.

A energética e melódica Up Song particularmente mexeu comigo e explico o porquê: Não é a faixa mais elaborada ou complexa da banda, mas soa quase como um grito de liberdade. Incrivelmente todos os integrantes brilham em seus respectivos instrumentos, abraçando o pré-refrão sob a voz de Tyler antes de ela explodir no refrão junto a todos os integrantes em uma espécie de celebração por sua amizade:

All these things will remain invisible to the world
And you wish you could be held
A silent embrace in the arms of another
Who knows what’s wrong?
Thеy’ll never know what we did togеther
Oh no, no one will know
— Pré-refrão | Up song - BC, NR

De forma singela é dito: O que ficou pra trás, ficou pra trás. Mas ficou guardado, conosco e mais ninguém.

Laughing Song usa como abordagem uma linda melodia e uma instrumentalização otimista como roupagem para uma das letras mais tristes do catálogo da banda. A bateria de Charlie serve como um ombro amigo e o Saxofone de Lewis tentam ser o sol em um dia cinzento enquanto Tyler tenta disfarçar toda sua dor em uma aparente indiferença, até colapsar no refrão, que cita todas as músicas feitas logo após a saída da Isaac e serviram como “tapa buraco” para realizar suas turnês (pois eles haviam prometido que não cantariam para o público nenhuma música de seus dois álbuns anteriores). Nesse momento, a dor é sentida numa espécie de purgatório musical. A contradição entre o título da música e o tom melancólico que carrega cria um elemento paradoxal antes mesmo dela começar, perpetuado por pequenas contradições que aparecem ao longo da música e que proporcionam mais peso emocional para o conflito interno da vocalista, que nos paralisa durante sua catarse no outro da faixa, quando admite para si mesma que está pronta para seguir em frente, mesmo não sabendo como: “What does that say? When I have accepted that no-one else will make me laugh like that– Ever again” (o que quer dizer quando eu aceitei que ninguém vai me fazer sorrir como você, nunca)

Ainda é importante destacar um parágrafo inteiro para “Turbines/Pigs”. Mais um conto folclórico interpretado por May Kershaw, a faixa de 9 minutos nos transforma em crianças em estado de estupefação pura enquanto acompanhamos aquela história que traz a tona inseguranças e tristeza (sentimentos que geralmente buscamos repelir mas que, nesse caso, queremos entender), proporcionando a eles uma intensidade que ainda achávamos não conhecer.

Por fim, “Dancers”, que serve figurativamente como última faixa da apresentação (dissolvendo-se num verso reprise mais lento de “Up Song”, que é o final literal), é daqueles momentos da banda que nos deixam sem palavras: Carregados de emoção e metáforas, complexos na execução mas apelativos na forma que soam, que gostam de nos trazer pra perto de si mas não se sentem confortáveis o suficiente para se abrir por completo ou dar alguma explicação sobre quem é ou o que quer dizer.

É justamente aqui que Black Country, New Road demonstra não estar interessado em se distanciar do passado apenas pela dor que ele provoca enquanto olha para futuro e suas infinitas possibilidades. Com Live at Bush Hall, esse passado deixa de ser apenas sobre Isaac Wood, e se torna também concretamente o prelúdio do que está por vir, mas que sempre foi:

Melhores amigos se divertindo e fazendo música.

10

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