Crítica | Luisa Sonza - Escândalo íntimo

Terceiro álbum da estrela pop tupiniquim é um mergulho na mente de uma adolescente de 15 anos. Afinal, quem não quer reviver as maravilhas da puberdade quando já passou da idade para isso?

Na busca por sofisticar sua discografia, Luísa Sonza parece ter se perdido ainda mais em seu terceiro álbum de estúdio. Seu Escândalo, que de íntimo não tem nada, é mais uma coleção de singles soltos do que um disco à altura de sua fama.

A faixa-título abre o álbum com uma vinheta que nos transporta para um lugar distante do passado. À medida que a canção progride, o instrumental cheio de personalidade assume o controle e os momentos derradeiros introduzem a faixa seguinte, "Carnificina". Nela, a cantora ecoa a ideia de que pode, sim, ser uma artista comercial e, ao mesmo tempo, produzir trabalhos com maior profundidade lírica: ‘’Eu tenho número / E ainda sou artista’’. Sendo a maneira como a popstar brasileira lida com sua insegurança artística –  assim como os suspiros amorosos de uma adolescente que derrama em seu diário segredos de paixonites colegiais –, as duas impressões digitais do disco. Aviso de antemão que a superficialidade com que essas ideias são trabalhadas a seguir faz até uma poça d'água parecer a Fossa das Marianas.

"Dona Aranha" é a prova cabal disso. A canção se afunda na construção genérica do sexo, sem qualquer traço de sutileza nos versos. Da ponte ao refrão, parece ter sido feita de caso pensado para preencher os status do WhatsApp de adolescentes. Enquanto Rita Lee, que será "homenageada" mais a frente no álbum, cantava sobre a troca entre um par num "sanduíche de gente", a loira... bem, ela se contenta com o caminho mais torpe possível: "Rebolo o rabo, de quatro, sei que tu gosta’’.

Já ‘’Luísa Manequim’’ é uma das poucas gravações interessantes do álbum, ainda que apenas arranhe a superfície ao trazer o nostálgico samba-rock de Abílio Manoel novamente ao estrelato. Depois do monólogo em forma de interlúdio, mais artificial do que suco de pacote, chegamos ao primeiro feat do disco: Marina Sena. Sobre "Romance em Cena", não há muito o que dizer, pois não empolga nem desagrada. É apenas uma música que existe.

"Campo de Morango" é uma outra versão de "Dona Aranha". Toda a letra gira em torno de meter, botar e sentar - um manual da rapidinha para aqueles que estão prestes a perder a virgindade. Por mais que a produção flerte com ideias da vanguarda do pop contemporâneo, como o glitch e o hyper-pop, não há produção capaz de salvar, ou sequer maquiar, uma canção vazia em conteúdo e verdade artística: o que é confirmado pela curta duração de 76 segundos.

A participação de Baco Exu do Blues no disco é tão vazia quanto seus lançamentos mais recentes, com rimas que, como de costume, falam de trivialidades como hotéis chiques e casais imersos em banheiras bebendo uísque. O mais engraçado dessa fanfarronice toda é que a dupla já havia explorado uma ideia semelhante em "Hotel Caro", single lançado em 2022. E, apesar disso, parece que não economizaram dinheiro na produção de uma nova música com a mesma proposta, já que mais de 10 colaboradores são creditados em “Surreal’’.

Quem continuou acordado até este ponto, finalmente alcança o que poderia ser considerado o ápice desse trabalho: a famosa canção com o verso "Chico, se tu me quiseres" – que narra os bons momentos do relacionamento relâmpago entre a compositora e o streamer Chico Moedas –, um conto de fadas que desabou após a traição do influenciador em um bar carioca, ironicamente mencionado na própria letra como o lugar favorito do casal. O término virou um verdadeiro circo midiático, sem nenhuma discrição, chegando a parar nos holofotes de programas matinais da Globo. Ela, boba nem nada, usou dessa exposição para surfar no hype da canção e recentemente lançou a versão em inglês, mirando no mercado musical norte-americano. Podemos até torcer o nariz para as músicas, mas não dá para negar que ela leva jeito para fazer dinheiro.

"Onde É Que Deu Errado?" é simplesmente hipnotizante... de tão chata. A respeito de ‘’Penhasco2’’ com Demi Lovato, artista estadunidense que uma hora é rock, outra é pop, poucas coisas a dizer. Pontuo que ambas se parecem muito: se perdem nos conceitos musicais as quais se inserem e confundem belting com gritar.

‘’Outra Vez’’ é uma xerox do conteúdo de canções anteriores da mesma obra. E o interlúdio que a segue, sei lá, é quase empolgante, especialmente se você estiver procurando por algo que te faça querer pular para a próxima música. ‘’Principalmente Me Sinto Arrasada’’ acerta ao introduzir o piano nos segundos finais, quase salvando a música, se não fosse todo o resto.

A canção com Duda Beat, devo dizer, surpreende. O sintetizador fresh à la Kaytranada em Bubba (2019) passa uma sensação de fim de tarde na praia para a música. O que nos faz pensar que se a gaúcha tivesse tido a ousadia de deixar um pouco de lado o drama amoroso e o chororô sobre ser artista pop, talvez não tivéssemos que suportar um álbum tão medonho.

‘’Lança Menina’' faz questão de dar um aceno inteligente ao clássico oitentista de Rita Lee. Quanto à última canção, como o próprio título indica, não é nada demais. O saldo final desse trabalho musical, que tem mais lançamentos por vir, é de que a cantora reproduz em suas letras expectativas de uma garota com 15 anos, mesmo ela tendo 10 anos a mais nas costas. É como se seu eu lírico se recusasse a crescer. Podemos tentar compreender? Claro, afinal quem não quer reviver as maravilhas da puberdade quando já passou da idade para isso? Por outro lado, artistas com a mesma idade dela abordam questões comuns à vida adulta, como sexo e saúde mental, de uma forma mais condizente com a realidade.

A verdade é que Escândalo Íntimo não tem nada de memorável ou vanguardista em termos de música pop brasileira. Seria facilmente esquecido em menos de dois anos, não fossem as controvérsias que rodeiam a vida pessoal da artista. Se eu pudesse dar uma dica a ela, tête-à-tête, é que o público brasileiro pode até apreciar polêmicas, mas até mesmo o melhor dos pratos enjoa, e o dela, com certeza, não será exceção.

2,5

(de 10, para não deixar dúvidas)

Caio Profiro

Manauara. Penso e escrevo sobre música desde 2021. Beatmaker nas horas vagas e pesquisador musical em tempo integral. Autor do artigo científico "O samba como território da folkcomunicação: a trajetória do genêro musical de cultura marginal a símbolo nacional".

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