Crítica | Twin Fantasy (Face to Face) - Car Seat Headrest

Will Toledo, criador e líder da Car Seat Headrest, já vinha lançando álbuns de rock indie pela plataforma Bandcamp desde 2010, criando uma pequena, mas crescente fanbase.

Acostumado a escrever e produzir todas suas músicas sozinho, foi apenas em 2015 que ele conseguiu assinar um contrato com a Matador Records, recrutar outros membros para sua banda e ter os meios de melhorar a qualidade de suas músicas, o que o levou a refazer algumas em “Teens of Style” e a lançar o aclamado pela crítica “Teens of Denial”, ficando em 4º lugar na lista de melhores álbuns de 2016 da Rolling Stone.

Comparado com seus contemporâneos, as letras de Will são mais preenchidas com angústia juvenil, tão honestas que parecem ter saído diretamente de sua cabeça sem passar por um filtro. Em vez de transformar suas emoções em algo mais poético, como faria Elliot Smith, os sentimentos são claros, tangíveis, cínicos e, em alguns momentos, hilários. Essa não é a sua única qualidade, pois Will é conhecido por construir estruturas musicais longas e complexas, que não seguem a fórmula básica “verso – refrão – verso - refrão”, mas que vem acompanhadas de inúmeros momentos memoráveis (hooks) e letras acessíveis.

Will é um daqueles artistas que poderíamos chamar de prodígio. Digo isso por que, em 2011, com apenas 19 anos, ele lançou o que a maioria dos seus fãs consideram sua melhor obra: o épico e conceitual “Twin Fantasy”, e não é por falta de motivos. O álbum é uma jornada emocional sobre depressão, idealização, homossexualidade e o desespero de esperar por alguém que seja capaz de te salvar de todos seus anseios e inseguranças. Esses temas são refletidos através da história do relacionamento de duas pessoas problemáticas que, embora tudo que querem é se juntar uma a outra, tudo que conseguem fazer é se afastar.

Quando foi anunciado ano passado que “Twin Fantasy” iria ser refeito do zero e relançado em 2018, as reações foram mistas.

Embora não seja incomum que Will relance suas músicas, enquanto alguns fãs ficaram animados com a notícia de um “novo” projeto a caminho, outros rejeitaram a ideia, parcialmente por acharem que o som lo-fi produzido pelos equipamentos de baixa qualidade de Will na versão de 2011 era parte do que fazia a experiência interessante, junto com a descrença de que um álbum tão bom e pontual, assim como os sentimentos envolvidos durante o processo de sua criação, pudessem ser recriados e superados. Agora, depois do lançamento, acredito que toda essa indignação fora em vão, por que não só a nova produção poliu o material e o transformou em algo incrível, como uma nova camada de interpretação em cima da obra foi adicionada.

O álbum começa com “My Boy” e, lamentavelmente, é a única música do álbum que falha em sua adaptação, não entregando o mesmo impacto inicial da versão de 2011. Mas esse problema é completamente esquecido assim que começa “Beach Life-In-Death”, uma das épicas do álbum, contando com 13 minutos de duração, se dividindo em 3 partes e lançando no ouvinte os diferentes temas que estão por vir. O primeiro pedaço é conhecido pela narração de um momento aonde Will tenta sem êxito sair do armário para seus amigos durante uma chamada de Skype e pelas declarações de medo a doenças mentais e como elas podem consumir o ser humano. O pedaço do meio da música funciona como um monólogo de Will para seu parceiro, discutindo a vontade de ambos em de se sentirem humanos, com vidas normais que não sejam afetadas por seus problemas pessoais, além de insinuações a vorarefilia. Após um breve momento de silêncio, a música segue para o seu grandioso final que se inicia pelo som da guitarra repentinamente. Há acusações a Walt Disney de ser a culpada pelos males da juventude e os versos que Will canta com todo o ar de seus pulmões, “the ocean washed open your grave/the ocean washed over your grave”, remetendo a sentimentos que achávamos que havíamos superados, mas que volta e meia ressurgem.

Passado um interlúdio onde o Will súplica para seu amante parar de fumar, “Twin Fantasy” se mostra não só como uma montanha-russa emocional, mas como um álbum extremamente dançante, trazendo 4 músicas seguidas que, embora você provavelmente nunca ira escutar em uma balada indie, vai fazer você dançar sozinho em seu quarto de madrugada. Desde “Sober To Death”, momento em que os dois amantes tentam se apoiar um no outro como forma de refúgio emocional enquanto Will promete que os dias de solidão acabaram, até “Cute Thing”, onde Will pede a voz de Frank Ocean a Deus e se desculpa pelo seu romantismo exagerado. Como destaque há “Bodys”, canção que mais chega perto de um hit pop, tendo um som muito mais animado que introduz tantos refrãos diferentes que eles literalmente acabam se sobrepondo no fim.

É na reta final que nos é entregue a maior carga emocional da obra. “High to Death”, provavelmente a música mais deprimente do álbum, é um pesadelo psicodélico enquanto “Famous Prophets” é o momento onde Will decide terminar seu problemático relacionamento, contando com 16 minutos de duração (foram adicionados 6 minutos de material comparando-se com a versão de 2011, que contem “apenas” 10 minutos). “Those Boys” desintegra a fantasia construída ao longo das músicas, nos afastando dos protagonistas, que agora não são mais tratados como “nós”, mas sim como “eles”, e deixando a nossa intimidade com o relacionamento para trás. Essas três músicas finais também servem para destacar duas fortes características que se encontram ao longo da discografia da banda: referência religiosa e autorreferência, essa última ocorrendo através da volta de versos, conceitos e sons de outras músicas.

Mas a pergunta ainda continua: além da produção, o que faz essa nova versão merecer tanta atenção quanto a sua antecessora?

A resposta é delicada, mas ela pode ser encontrada em detalhes que aqueles que não estão prestando atenção podem perder. Em primeiro lugar, Will nomeou a versão de 2011 como “Mirror to Mirror” e a de 2018 como “Face to Face”, escolha explicada no final de “Famous Prophets”, através de uma passagem bíblica. Essa é apenas uma das várias passagens do álbum, havendo outra em “High to Death” que reflete bastante como Toledo se sente em relação ao que escreveu em “Twin Fantasy” 7 anos atrás. O final do álbum, originalmente amargo, é deixado em aberto nessa versão, permitindo que o ouvinte preencha as lacunas com suas próprias experiências para decidir o final.

O que quero dizer é que “Face to Face” é uma grande vitória na vida de Will, não só por demostrar o seu desenvolvimento como artista, mas também o seu desenvolvimento como pessoa, porque os pensamentos tóxicos que o ajudaram a criar o “Twin Fantasy” original não estão mais presentes nessa versão, e ele deixa isso claro. O seu processo de olhar para seu “eu” do passado para recriar o álbum nos faz avaliar nossas próprias evoluções pessoais que, embora sejamos moldados pelo passado, não estamos presos a ele, e devemos sempre tentar achar o que temos de melhor.

No final das contas, o desastre emocional continua o mesmo nessa versão, mas o seu criador não. É como voltar para sua antiga escola ou cidade de infância: mesmo havendo algumas mudanças, no núcleo é o mesmo lugar, mas o que realmente se alterou foi a perspectiva e os sentimentos daquele que volta.

A versão de 2018 não veio para substituir a de 2011, pelo contrário, ambas as obras se complementam. A diferença, no fim, nas próprias palavras de Will Toledo, é que ele não enxerga mais sua vida como uma tragédia.

9,1

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